Consonância e dissonância” é uma apresentação didática sobre um tema complexo e indispensável ao estudo da harmonia.
A partir do entendimento da classificação dos intervalos em consonância ou dissonâncias harmônicas torna-se possível a análise, o emprego e a escuta das notas estranhas à harmonia (dissonâncias) presentes em muitos acordes.
GC – nr. 29 (trecho revisto)
Para iniciar esta coluna cito um trecho extraído do “Tratado de Harmonia”, de Arnold Schoenberg:
“As expressões consonância e dissonância, usadas como antíteses, são falsas […] se mantenho as expressões consonância e dissonância, apesar de incorretas, é porque o desenvolvimento da harmonia mostrará rapidamente o inadequado de semelhante classificação. A introdução de outra terminologia neste estágio histórico não teria qualquer utilidade e dificilmente resolveria o problema a contento. Porém, uma vez que devo operar com esses conceitos, definirei consonância como as relações mais próximas e simples com o som fundamental. Já, as dissonâncias serão consideradas como as relações mais afastadas e complexas…”
Resolvi começar assim para que você, leitor, possa perceber que fórmulas simplistas que visam a cristalização de conceitos como leis eternas, só contribuem para o empobrecimento intelectual e artístico. Schoenberg alerta para a transformação que os conceitos de consonância e dissonância sofreram ao longo dos períodos históricos. Além disso, admite a convivência com a terminologia usual de consonância e dissonância como um recurso pedagógico com o objetivo de levar o aluno à compreensão da linguagem e da escuta musical de um determinado período musical.
Desta forma, minha abordagem tem o objetivo didático de introduzir este tema de forma coerente, porém sem muita complexidade. Os alicerces desta apresentação são o contexto tonal e harmônico no qual, a partir de um certo consenso, a ideia de consonância e dissonância vincula-se à sensação de estabilidade (consonância) e instabilidade (dissonância). Note que deste modo não me afasto da definição sugerida por Schoenberg. Além disso, trata-se apenas de uma possibilidade didática de abordar este assunto.
A classificação do intervalo deve levar em conta sua apresentação por meio de notas sucessivas (intervalos melódicos) ou por notas simultâneas (intervalos harmônicos). A classificação a seguir dará ênfase aos intervalos simples e harmônicos.
Os intervalos tidos como consonâncias harmônicas são: uníssono, oitava justa, quinta justa, terça maior, terça menor, sexta maior, sexta menor e, às vezes, a quarta justa (veja mais adiante). Os intervalos considerados como dissonâncias harmônicas são: todas as segundas, todas as sétimas, todos os intervalos aumentados ou diminutos, a quarta justa e, por vezes a sexta maior e menor (veja mais adiante).
Consonâncias harmônicas
No sistema tonal baseado nos modos maior e menor, os intervalos classificados como consonâncias são aqueles contidos em uma tríade maior ou menor a partir de sua fundamental: uníssono, terça maior ou menor, quinta justa e oitava justa (Exemplos 1 e 2)
Exemplo 1 – Tríade maior e menor: intervalos consonantes
Exemplo 2 – Intervalos formados a partir da fundamental da tríade maior e da tríade menor:
Os intervalos de sexta maior, sexta menor são admitidos como consonâncias quando se apresentam como inversões dos intervalos de terça menor e terça maior (Ex. 3).
Exemplo 3 – Intervalos de 3M e 6m (tríade Maior); 3m e 6M (tríade Menor)
Tríade Maior
Tríade Menor
O intervalo de quarta justa só é considerado como consonância harmônica quando NÃO estiver formado com a nota do baixo. Desta forma, será considerado como uma inversão da 5J, uma vez que a tríade encontra-se em estado fundamental ou em primeira inversão (terça no baixo). Confira no exemplo 4.
Exemplo 4 – Intervalo de 4J como consonância: não envolve a nota do baixo
Tríade em Estado Fundamental Tríade em primeira inversão
Dissonâncias harmônicas
A princípio, são considerados intervalos dissonantes todos aqueles que NÃO fazem parte da constituição da tríade maior ou menor. São classificados a partir da fundamental da tríade. São eles: intervalos de segunda maior ou menor; sétima maior e menor, todos os intervalos aumentados e diminutos, além dos intervalos de sexta maior/menor e do intervalo de quarta justa (ver explicação mais adiante)
Exemplo 5 – Intervalos dissonantes: classificação a partir da fundamental da tríade
Se você está curioso para saber o porquê da classificação dos intervalos de 4J, 6M ou 6m como dissonâncias harmônicas, vamos lá!
Será considerado como dissonância, todas as vezes em que a 4a entrar no lugar da 3a e a 6a entrar no lugar da 5a do acorde (desta forma os intervalos são formados com o baixo). Confira os exemplos 6 e 7
Exemplo 6 – Intervalo de 4a como dissonância
No exemplo 6, o acorde de DóM (C) exerce a função de dominante (V de FáM) e tem em sua formação as notas: dó – mi – sol. Perceba que no primeiro tempo do compasso 2, a nota Fá (intervalo de 4a J com o baixo) entra no lugar do Mi, 3a do acorde. Neste caso, o intervalo de 4J é considerado dissonância (intervalo formado com a nota do baixo).
Da mesma forma, o intervalo de 6a pode aparecer como dissonância. Isto ocorrerá quando a 6a estiver no lugar da 5a do acorde. O exemplo 7 traz o intervalo de 4a e o de 6a como dissonâncias no acorde de DóM. Portanto, neste caso, a 4J (nota Fá) aparece no lugar da 3a do acorde (nota Mi) e a nota Lá (intervalo de 6a com o baixo) entra no lugar da nota Sol (5a do acorde). Em harmonia tradicional este acorde é conhecido como cadencial .
Exemplo 7 – Intervalos de 4a e de 6a como dissonâncias no acorde
Modo Maior
Modo Menor